sexta-feira, 13 de março de 2009

Vitalino e sua República Atrevida (VI)

Cresceu a popularidade de Vitalino em um mês e ele se aproveitou. Chegou a anunciar que iria se matar, “de jeito lento para deixar saudades”. E voltou a frequentar o bar do Leci, de onde nunca saiu. A cada pinga bebida, dizia ter diminuído um minuto da vida. Só nos primeiros dias ele somou: “24 horas têm 1.440 minutos. Então hoje já envelheci 2.880 minutos”. Ou seja, a contabilidade do Leci não deixava margem de erro: eram duas talagadas por minuto. A conta, mais uma vez, seguia para a prefeitura da República Atrevida do Viamão, onde Vitalino só teve o cuidado de não nomear tesoureiro, ou qualquer outro funcionário que pagasse contas.

O anúncio da morte premeditada de Vitalino comoveu a cidade. Padre Antônio chegou a implorar, mas o prefeito foi em frente, seguindo um plano muito bem traçado. “Morreu” numa segunda-feira e mandou que a notícia fosse espalhada. No terceiro dia, de avental branco, reapareceu na Praça do Carmo, anunciando o milagre da ressurreição. As beatas fizeram fila, organizadas por Dona Grossa. Vitalino escolheu um grupo de moças como “filhas de Maria”. E sua pregação, que antes era feita no templo nada santo, foi transferida para a igreja do padre Antônio. “Está declarada a sucursal do Vaticano, e esse que vos fala, nomeado o sumo-pontífice adjunto”, anunciou na primeira missa que celebrou.

Esperto que era, Padre Antônio retomou a disputa com Vitalino, sem agressões, pelo menos nos primeiros dias. Mandou construir um busto do desafeto e fez com que ele fosse entronizado na igreja do Carmo. No pedestal, escreveu: “Aqui está o milagre da ressurreição. O benfeitor Vitalino grandifica nosso Viamão”. Uma rima barata que irritou o prefeito impostor, e por isso mesmo motivou uma resposta escrita também no pedestal: “Se o padre quer puxar o saco, que puxe o de seu pai. Pois o meu, de tanto ser usado, se puxado logo cai”. O prefeito desenhou um grande órgão genital masculino sob a inscrição e, abaixo dele colocou um saco de farelo de milho com um bilhete: “Ração para aquelas que desejam ver Vitalino sempre ereto”.

Admirado pelas beatas, pelo Padre Antônio e já com o nome colocado em cidades vizinhas, pensou em se candidatar a deputado, governador, “quem sabe?”. Para isso deveria - segundo as normas do Viamão – ser casado e ter filhos legítimos. Foi com esse pensamento que aceitou o pedido do primo Cocota para “pedir a mão de uma moça”. Ao vê-la, disparou o prefeito: “O sobrinho quer se casar, mas está muito jovem e pode esperar. Por isso, peço a mão de Guadalupe, sua noiva, inteiramente para mim”. Casou-se e, nove meses depois, recebeu os primeiros filhos, trigêmeos. “Foram feitos em pé, se estivesse feitado, nasceriam pelo menos seis de uma vez só”, zombava sempre.

Tudo corria como Vitalino gostava. Até que da jardineira desceu numa tarde o Doutor Vidigal, nomeado interventor pelo governo do Estado e com a incumbência de por fim à República Atrevida. Vitalino foi deposto do cargo de prefeito, para o qual nunca fora eleito. E num rompante, entre dois soluços, ainda conseguiu ditar para a secretária Maria Tu a mensagem de despedida, que era ao mesmo tempo de lançamento de sua candidatura nas eleições seguintes: “Viamão é uma República Atrevida. E que nenhum tribunal se atreva a mandar nela. Viamão é uma cidade vadia. Por isso voltarei a governar essa ruela”.

De volta à iniciativa privada, faltou salário a Vitalino. Ele descobriu o Beltrão como sócio: entraria como provador e o parceiro como fabricante de cachaça. Além disso, o ex-prefeito impostor seria o propagandista da aguardente que recebeu o nome de “Sonhei com ela”, numa alusão aos pesadelos vividos por Vitalino quando lhe faltava o líquido. Ou mais precisamente, quando batia a síndrome de abstinência, diagnóstico ouvido tantas vezes do Doutor Élcio. Na primeira investida, o sócio agradou Beltrão, mesmo bêbado como se encontrava, e criou um rótulo para a “Sonhei com ela”, que coube até um versinho barato:

“A vida é um lago tristonho onde o barco de meu sonho anda vagando a esmo. Mas a vida fica bela, bebendo “Sonhei com ela”, com ela sonhando mesmo”. A poesia agradou e entusiasmou o poeta que decidiu “comprar briga” com o coronel Juca de Barros, rico fazendeiro conhecido pela fama de bravo. Na direção de Juca partiu outro verso: “Juca é feito de barro, de barro fino e batuta, mas esse coronel sempre foi um grande filho da puta”. Esse agradou até mesmo padre Antônio, também criticado em verso igualmente barato: “Seu vigário usa batina para facilitar o seu trabalho. Enquanto ele finge que reza, a beta pela em seu caralho”.

O padre era alvo principal de Vitalino. Gordo, com grandes cabelos nas ventas, o vigário aproveitava os domingos para almoçar melhor. Ou mais do que o costume. Quando terminava a missa das nove e anunciava o “vão com Deus e o Senhor vos acompanhe”, só esperava os fiéis darem as costas para o altar. Aí gritava, quase histérico: “Irmãos, agora vocês vão para as suas casas, um vai comer frango com quiabo, outro uma leitoa e outro um lombinho. Não se esqueçam de dar graças a Deus. Afinal esse padre vai comer angu com banana, mas vai dar graças a Deus”. Em seguida, fazia uma pausa na sacristia, tempo suficiente para chegar à casa paroquial e lá encontrar uma enorme fila de beatas com diferentes pratos domingueiros. Foi num desses domingos que Vitalino interceptou as beatas e temperou as iguarias com um produto laxante. À noite, se divertiu com os gemidos de Padre Antônio na fossa da casa paroquial.

FIM

Um comentário:

Fred disse...

Pessoal,
Esse é o último post desse conto inacabado. Quem quiser continuá-lo, fique à vontade para escrever.

Nos próximos posts publicarei outras poesias e um conto mais curto do meu pai.

Abs

Fred