sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Vitalino e sua República Atrevida (II)

Vitalino não tinha jeito mesmo. No mesmo dia de seu quase funeral, conheceu uma viúva que, em prantos, pedia clemência. Entusiasmou-se com a bondade de Dona Rosinha, a viuvinha e arriscou o que classificou de um “galanteio educado”: “Sinto muito pela morte de seu marido. Não tive a felicidade de conhecê-lo, mas sei que ele tinha muito bom gosto. Se algum dia a senhora sentir falta dele, por favor, dê para mim a preferência”, disse. Apesar de receber um sonoro tapa no rosto, Vitalino não desanimou e tanto fez que acabou amigo de Dona Rosinha, acompanhando à mercearia, ao açougue e até ao médico.

Foi nesse último que Vitalino entrou com a viúva para uma consulta. Ela sofria de “corrimento” e não sabia como falar com o Doutor Élcio. A filha mais velha de Rosinha logo corrigiu Vitalino: “Não fala “corrimento na buceta”, fala “corrimento na vagina”“. E lá foram Vitalino e Rosinha para o consultório. Na ante-sala ficou a Margarida. Quinze minutos depois o médico ainda não sabia o mal que atacava Rosinha. “Ela está com um problema na... um problema na...”, repetia Vitalino, não se lembrando do conselho da enteada Margarida. O médico já estava nervoso até que Vitalino levantou-se, abriu a porta do consultório e gritou para que os outros cinqüenta pacientes ouvissem:

“Margaridinha, qual foi mesmo o apelido que você colocou na buceta da sua mãe?”

E Vitalino entendia mesmo da genitália feminina. Tanto que era o guia de caixeiros-viajantes que passavam por Viamão. Um deles quase irritou o cicerone. Depois de um mês na cidade, perguntou ao Vitalino onde ele encontraria uma mulher da vida. “Lá na égua”, respondeu o guia que logo passou a acompanhá-lo. Os dois desceram uma ladeira, atravessaram um brejo e, na margem de um rio, encontraram uma égua amarrada. O viajante, afoito, apressou-se em desabotoar a calça, puxou o animal até um pequeno barranco e, já ofegante, ouviu o grito do Vitalino: “Ô jegue, essa égua é só para a gente atravessar o rio. As mulheres moram do lado de lá e não temos ponte por aqui”.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Vitalino e sua República Atrevida (I)

Magno Madureira

Naquela quarta-feira esbranquiçada pela chuva fina, Vitalino acordou, como sempre, amarelo e trêmulo. Esperou que o primeiro bar abrisse e foi lá, bem na praça do Carmo, que recebeu a notícia: “Juquinha morreu”, anunciou o sacristão Leonel. Logo os sinos soaram em ritmo fúnebre, e Vitalino começou a beber no compasso das badaladas. Afinal, já diziam que Juquita havia morrido de desgosto, por ter brigado com Vitalino uma semana antes. Roubaram uma galinha do Juquita e o Vitalino, que sequer comia franga, acabou pagando o pato.

Cinco horas mais tarde o corpo do Juquita já estava pronto para ser levado ao cemitério. E devidamente encomendado pelo sacristão Leonel que, nessas horas, se passava até por cardeal. Com parâmetros, a bíblia e um discurso que sempre se repetia a cada velório. Vitalino hesitava: temia visitar o morto e ser criticado. Mas decidiu e foi lá. Entrou pela casa de Juquita como se fosse membro da família. Bebeu à vontade, almoçou, falou das virtudes e dos pecados do morto e se encarregou de fechar o caixão. Tudo pronto, ele ordenou a saída rumo ao cemitério.

Com ar de quem dava mesmo as ordens, como se o defunto fosse seu, Vitalino pegou logo a primeira alça do caixão. “Aqui eu seguro, pois sou o prefeito e estou representando a municipalidade”, disse-lhe o chefe do Executivo Municipal, o Nuquitão. Quando segurou a segunda alça foi a vez do sacristão Leonel reclamar: “O corpo foi encomendado por mim e eu quero ter a honra de levar parte dele”. Na próxima alça, um filho do Juquita se aproximou e Vitalino rapidamente passou para a quarta, que ninguém segurava ainda. Foi aí que o delegado Zizito se aproximou e bem autoritário ordenou: “Como chefe da força pública quero ter o prazer de dividir esse peso”.

Vitalino olhou para os lados, passou por todos os lados do caixão e não encontrou outra alça. Indignado, esbravejou diante do espanto das beatas que puxavam uma “salve-rainha”: “Querem saber de uma coisa? Pois enfiem esse defunto no cú”.

Passada a ressaca, e novamente amarelo, Vitalino fez uma confissão pública, no bar do Leci. Iria mudar de vida; só beberia em festas de amigos, onde a pinga necessariamente seria de graça. Logo a promessa se espalhou. O prefeito cuidou de ajudar, doando um terreno da prefeitura para que Viltalino começasse vida nova. Fazendeiros doaram sementes e até uma cabrita que o premiado trocou no dia seguinte por uma garrafa de cachaça. O padre Antônio celebrou três missas: duas em ação de graças pela mudança de vida anunciada por Vitalino; uma terceira, excomungando o pobre coitado.

Ninguém mais acreditava na promessa feita no bar do Leci. Até que o padre, o delegado, o prefeito e os familiares de Vitalino decidiram enterra-lo vivo. O que ele prontamente aceitou. “Afinal não tenho jeito mesmo para o trabalho”, chegou a comentar. Feito seu único pedido, o de ser enterrado ao lado do amigo Juquita, lá seguia o enterro, quando um piedoso paroquiano se aproximou, fez cócegas no corpo do defunto-vivo e implorou: “Não deixe que eles enterrem você vivo.Você já tem um terreno de cultura e vou lhe dar meio saco de arroz para você começar a vida”.

“O arroz é com casca ou sem casca?”, perguntou Vitalino abrindo só um dos olhos, tamanho era o conforto em que se achava. “É com casca, para você plantar e se tornar um agricultor, ganhar dinheiro...”, respondeu o paroquiano. Já com os dois olhos abertos e mostrando indignação, Vitalino retrucou: “Então, toca o enterro”. Só não chegou a ser sepultado porque se recusou a cumprir uma determinação do delegado Zizito, como estava vivo, ele próprio deveria cavar a sepultura. “Se até para morrer é preciso fazer força, melhor ficar vivo”, justificou mais tarde e já de volta ao bar do Leci.

Modus Operandi da República Atrevida

Prezados Madureiras, adendos e outros que aqui adentram,

Esse blog foi criado para compartilhar alguns contos e poesias de meu pai, José Magno Soares Madureira. São poucos escritos a serem publicados, mas dá para matar a saudade dele, rir, chorar, parar para pensar na vida e sorrir depois de tudo.

Começaremos pelo maior conto, "Vitalino e sua República Atrevida", divido em 4 ou mais publicações. Esse conto não está acabado, mas a sua irreverência e graça são suficientes para mostrar os traços dessa república.

Em seguida, passaremos para o "Discurso", o comunicado ao "Sr. Síndico" e o "Revide do Bichano", duas poesias e um breve conto, quem sabe, inspirados na vivência da atrevida república.

Depois dessas publicações, o blog será aberto para quem quiser contar um história, um causo ou qualquer outra coisa inspirada ou vivenciada na república atrevida de Viamão.

O blog é aberto para comentários, elogios, xingos, correções ortográficas gramaticais e reclamações. Fiquem à vontade para comentar!

Abraços

Frederico Madureira